sábado, 6 de março de 2010

todo o resto...(Martha Medeiros)

"Existe o certo, o errado e todo o resto".

Certo e errado são convenções que se confirmam com meia dúzia de atitudes. Certo é ser gentil, respeitar os mais velhos, dormir oito horas por dia, lembrar dos aniversários, trabalhar, estudar, casar, ter filhos. Certo é morrer bem velho e com o dever comprido. Errado é dar calote, beber demais, fumar, se drogar, não planejar um futuro decente, dar saltos sem rede.
Todos teoricamente de acordo, porém a vida não é feita de teorias. E o resto? E tudo aquilo que a gente mal consegue verbalizar, de tão intenso? Desejos, impulsos, fantasias, emoções.
Meia dúzia de normas pré-estabelecidas não dão conta do recado. Impossível enquadrar o que lateja, o que arde, o que grita dentro de nós.
Somos tão maduros e ao mesmo tempo tão infantis; por trás de nosso autocontrole há um desespero infernal. Possuímos uma criatividade insuspeita: inventamos músicas, amores e problemas e somos curiosos. Queremos espiar pelos buracos das fechaduras do mundo para descobrir o que não nos contaram. Todo o resto...
O amor é certo, o ódio é errado e o resto é uma montanha de outros sentimentos; uma solidão gigantesca, muita confusão, desassossego, saudades cortantes, necessidade de afeto e urgências sexuais que não se adaptam às regras do bom comportamento. Há bilhetes guardados no fundo das gavetas que contariam outra versão da nossa história caso viessem a público.
Todo o resto é o que nos assombra: as escolhas não feitas, os beijos não dados, as decisões não tomadas, os mandamentos não obedecidos ou obedecidos demais.
Há o certo, o errado e aquilo que nos dá medo, que nos atrai, que nos sufoca e que nos entorpece.
O certo é ser magro, bonito, rico e educado; o errado é ser gordo, feio, pobre e analfabeto. E o resto nada tem a ver com esses reducionismos: é nossa fome por idéias novas, é nosso rosto que se tranforma com o tempo; são nossas cicatrizes de estimação, nossos erros e desilusões.
Todo o resto é muito mais vasto. É nossa "porra-louquice", nossa ausência de certezas, nossos silêncios inquisidores, a pureza e a inocência que se mantém vivas dentro de nós, mas que ninguém percebe só porque crescemos.
A maturidade é um álibi frágil. Seguimos com uma alma de criança que finger saber direitinho tudo o que deve ser feito, mas que no fundo entende muito pouco sobre as engrenagens do mundo.
Todo o resto é tudo que ninguém aplaude e ninguém vaia, porque ninguém vê.

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